segunda-feira, 29 de junho de 2009

Tridente que cutuca.


“E eu quero é que este canto torto,Feito faca, corte a carne de vocês.”

A anestesia era inimiga da estética que era amiga da arte.
A sensibilidade tem caminhos que olhar algum jamais ousou percorrer.
Neste contemporâneo pós-tudo, tudo nos leva ao nada. Passamos na correria pelo trabalho, rapidinho na família, logo, logo pelos amigos, pouco na frente do espelho, de soslaio pela aventura da paixão. Desprezamos a contemplação, pois que! Perdedores, os que assistem sem tomar parte de nada. E novamente a realidade dos shows e, realities shows da vida reforçam o lado do anonimato, da insignificância, da não celebração de celebridades instantâneas. Guardamos nossos medos, rancores, frustrações, mágoas, insatisfações, indignações, revoltas, e invejas em arquivos protegidos no nosso hard ware emocional. Uma inveja que me assusta é a tal de inveja branca. A que faz mais mal, porque não pode nem reciclar-se em admiração pelo outro, pois vira pecado. E então numa noite qualquer numa rua qualquer em uma parede qualquer um gato assombradamente irado com dentes de tubarão mira feroz para toda essa necessidade de soltar os bichos da alma. Tal qual esfinge sua figura desafia com um enigma. Onde eu existo? No artista que me criou, em um espaço ilógico? (mesmo adorando jamais entendi a frase: você pega o trem azul, o sol na cabeça, o sol pega o trem azul, você na cabeça...) É necessário não se acomodar, afinal toda canção de amor também corrói como convém o coração de quem não ama. Todo enigma liberta ou aprisiona. Não há possibilidade para a indiferença.


A arte no hoje no fim das contas voltou a ser pelo menos para muitas teorias da Arte contemporânea, o que era no início: o produto de qualquer atividade humana.
Seria lugar comum dizer que a obra do artista Tridente desafia rótulos. É grafite, pintura mural, Arte urbana? É Arte. Quanto ela mede? Do tamanho de um pedaço da perna até toda a cidade. Que suporte? Ás vezes, aproveitamento de embalagem, noutras as paredes e muros, em outras os tradicionais papéis para desenho, tecidos ou todas as superfícies improváveis, porém, possíveis nas invencionices do criador. Tridente explora com habilidade a catarse do habitante urbano com imagens. Num site de artistas é possível se deixar cutucar de um jeito afiado e humorado. Tridente seria também uma homenagem as famosas réguas dos arquitetos? Arte de persistência e resistência? Não serei desonesto a ponto de atribuir ao artista influencias e comparações com outros artistas conhecidos ou anônimos, amigos, grafiteiros ou a margem do reconhecimento oficial. É tudo isso e nada disso. No seu repertório de imagens, as personagens, símbolos e signos se constroem obedecendo aos princípios da colagem e da publicidade. Um elemento gráfico repetido muitas vezes pode tornar-se o pano do fundo da obra. O jogo com as cores pode ocupar maior destaque e desprezar o conteúdo, que ás vezes não é mais do que pura invenção, na intenção da diversão. Mas como a sensibilidade jamais é apenas alegria, o tridente de Tridente cutuca a sensibilidade para o corte, o curativo, o sangue em hemorragia, a dor que é inevitável porque produz criação. Tridente atiça esse fogo na medida justa para contê-lo como espaço de obra. Obra contemporânea que não transforma o mundo em Arte, mas solicita o espaço do mundo em comum para nele se instaurar como tal. Arrisco a sugerir que obras dos artistas que produziram Arte Postal e as gravuras POP dos anos 70, seriam oriundos das matrizes para a compreensão do trabalho de Tridente. Evidentemente que, o entendimento literário, que seja abusado o suficiente há de meter-se a criticar e julgar o que Tridente mostra.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Michael Jackson - O olhar que se calou.


Quanto mais conheço mais me conheço quanto menos conheço mais me desconheço. Quanto mais vejo mais sou visto.
"Billy Jean…
Remember to always think twice…
I’m the one but the kid is not my son…
Eu tava jogando sinuca uma nega maluca me apareceu com um filho dizendo que o filho era meu"...
Michael Jackson foi o astro mirim da minha puberdade. "One day in your life", "I'll be there" e "Ben" esquentavam nossos corações para “dançar junto” nas reuniões dançantes dos anos 70 em Porto Alegre.
Depois de muitos anos, pude desprender meu olhar POPificado e colonizado, para entender um pouco mais da sua estética quando ouvi em uma fita K-sete com o Caetano Velloso a música Billy Jean mesclada ao samba. (E, os negros que sofrem horrores nos becos do Harlem...)
Nesta madrugada de junho enquanto escuto a rádio alemã da Internet homenageando o artista, não com o silêncio, mas divulgando sua desencarnação há pouco ocorrida, flashes de sua história, e sua música, relembro o que vi, há poucos dias na TV em um programa de dança e reconheço naquele artista uma antecipação do que hoje vemos como expressão da dança de rua urbana e da música negra, como rap, hip-hop e funk. Alimentam-se do pioneirismo que o Rei do POP anunciava. A sintonia do Superstar com a globalização pode tê-lo tornado louco em prol de um mundo mais são? Lembro do comentário de Gilberto Gil quando questionaram sobre Ele, e a resposta surpreendente: se os brancos querem escurecer sua pele nas praias, no verão, por que negar ao negro o branqueamento? Simbolicamente, o desaparecimento desse ícone esconde o desaparecimento daquele homem que é visado, e visto, e olhado, admirado na mesma dimensão em que olha e admira o olho que o observa. Michael Jackson, como em um dos fantásticos vídeos clips remete ao olho egípcio frontal que a tudo observa, nesse jogo de olhar e ser olhado, o que pode levar a uma confusão de personas, e que agora incompreensivelmente se interrompe. Meu coração se aquecia e também ao coração de Michael aquecia para levar adiante sua missão de encantar com seu som genuíno. Essa chama no coração evoluiu ao ponto de alcançar o limite de um estado mais puro, calmo, silencioso, e morno a esfriar aos poucos e literalmente se diluir, evaporar, estar no ar, causar sua morte. Uma homenagem com duas possibilidades: de um grande silêncio ou de uma festa de sons. Tudo menos a indiferença.