quinta-feira, 11 de julho de 2019

CLÁUDIO GOULART 19542005


CLÁUDIO GOULART 19542005

CARTA INGÊNUA
Meu nome é Jorge. Caí em uma armadilha. Entrei em um labirinto e não tenho alternativa senão achar a saída. Tento, mas não vejo como pensar nos fatos que me trouxeram aqui pode diminuir os perigos e dificuldades que se apresentarem nesse percurso. Posso tentar imaginar um jeito de marcar os corredores para não me perder.Avistar a paisagem de fora será minha recompensa. Não tenho compromisso em libertar nenhum povo, realizar qualquer proeza, conquistar nenhum título. Por minha própria conta e risco arrisco minhas fichas para continuar no jogo, simplesmente. Já perdi algumas batalhas na vida e suponho que aprendi alguma coisa com os erros que me levaram às perdas, o que não significa necessariamente vencer as batalhas que virão. Vencer ou conquistar, aliás, são faces semânticas de uma mesma moeda que a luta cotidiana valoriza ou menospreza. Sou onde não estou como agora em que essas palavras são lidas ou descartadas.
*Cartas Ingênuas se tratava de um projeto de cartas abertas endereçadas a autoridades brasileiras de diversas áreas. Conheci em 1985. O conjunto de textos tinha função de externar o pensamento do escritor/remetente aos leitores destinatários. Vinham dentro de um envelope criado pelo autor e eram vendidas de forma independente.

A ARTE DE PERDER
O mapa da cidade é a anatomia de um corpo na visão do poeta. Amsterdam e Porto Alegre: dois mapas, duas cidades, dois corpos. O corpo em duplicidade, o corpo como ideia de que o corpo deva ser existência, o corpo sendo e o corpo imaginado, representado. Elizabeth Bishop perdeu duas cidades, dois continentes, e as chaves de casa, não foi um desastre como perder-se do corpo querido.
Enquanto a Europa vivia os tempos derradeiros da guerra fria, e preparava a unificação e o fim da divisão do mundo em blocos comunista e capitalista, no Brasil a ditadura militar ia paulatinamente perdendo a capacidade de camuflar os efeitos nefastos do golpe militar de 1964.
Em 1976, Claudio Goulart embarcava para aventurar-se como artista em Amsterdam. O amigo e amor Flavio Pons seria o corpo a acolher Claudio no país. Fazer brotar cidadania em terra estrangeira é árdua tarefa que requer desapego imensurável de si. Por ser o local de escolha para sua morte, Amsterdam foi esse lugar que aconteceu ao artista como pátria. Imagino que o Claudio tenha sido um dos que ajudavam a divulgar em Porto Alegre as noticias que nos chegavam, da liberdade sexual, da consciência ecológica, da descriminalização das drogas, do uso de bicicletas na Holanda, especialmente em Amsterdam, como manifestações que iriam povoar o imaginário dos jovens aqui na “carroça”.
Claudio soube manter-se conectado ao sistema internacional das artes mediando a ambiguidade cultural destes dois continentes, de origem e de escolha, expandindo o alcance por outros países onde seu trabalho pode ser realizado.

CORPO
A história da Arte é a história do corpo. Desde a mão carimbada na caverna da pré-história, passando pelas representações dos corpos sagrados, mimetizados, até a desconstrução do corpo no espaço de representação e, hoje o corpo fragmentado, reinventado na virtualização tecnológica.Na História o corpo foi torturado, glorificado, moldado e libertado, modificado, genética e esteticamente transformado.Picasso destruiu o espaço de representação e os corpos angulosos da primeira pintura cubista impuseram uma nova compreensão estética. A vida é plena de sentidos do corpo nu, em pé, na escuridão, no meio do quarto, num romance de Clarice Lispector. Nos museus os corpos transitam e fruem de objetos que nada significariam não fosse essa presença humana. Os objetos são o corpo expresso, pois existem na medida da relação exercida pelo corpo. 
Também aos outros o corpo é objeto, na medida em que a presença ocupa espaço/tempo/memória. Porque guardamos como objeto de afeto, de desejo, de motivo, de repulsa e de imagem acaba por se definir aquilo que somos coletivamente: o nosso corpo em corporativismo.
Nos anos de 1960, a Body Art prenunciava o engajamento que iria radicalizar a arte não mais como representação e sim apresentação exigindo um salto imaginativo para acompanhar a transcendência do objeto/suporte. A pós-modernidade cujo auge ocorreu nos anos de 1980, apesar da revolução tecnológica, cultural, em todos os sentidos da humanidade, não foi capaz de melhorar desigualdades sociais.A arte produzida então ampliou exageradamente o leque de manifestações. Nunca antes foi tão heterogênea em forma e conteúdo.
Vemos ainda hoje, no entanto, a fome dizimando populações no mundo todo, guerras e desigualdade por todo lado, opressão capitalista que opera agora com aparato tecnológico para a manutenção de exploração. Dominação de corpos narcísicos, na necessidade dos tempos.
Do corpo emanam todas as possiblidades e maravilhas sensoriais. O tato, a visão, o olfato, a audição, o paladar, até a intuição, o sonho, as inconsciências, as marcas e dores e prazeres significam importância e valor da existência humana. Mas não é o corpo que contém a alma, ao contrário, é a alma que vai com o passar da existência sendo o corpo. A memória do corpo, a ilusão de um corpo possível, o corpo importa e define. O corpo é objeto limitado quando na infância exige aprender, engatinhar, caminhar, correr, crescer.
Na juventude ele é obstaculizado pelas responsabilidades, pelas exigências da maturidade, da autonomia, na inevitável consciência dos erros e acertos. Na velhice o corpo é alvo de cuidado e atenção, na medida em que as fragilidades vão se impondo. Quando as células param de morrer elas deixam de se renovar até a morte do corpo.
A pesquisa de Claudio em arte se contextualiza juntamente a estética de outros artistas que,assim como ele, pertencem à geração consagrada nos anos de 1980 e que de alguma forma usaram do corpo, e do próprio corpo para embasar sua produção. Entre esses, os participantes da 16ª Bienal de São Paulo: Hudinilson Jr., Vera Chaves Barcellos, Regina Silveira, Rafael França, Alex Fleming.

QUANDO O HORIZONTE É TÃO VASTO
Desenhos, colagens, objetos, vídeos, documentos, fotografias estão expostos na galeria da Fundação Vera Chaves Barcellos.
A exposição poderia ser descrita como representativa da poética visual do artista, que pesquisa diversas relações do corpo, com outros corpos, com a dor, com o prazer, com o espaço, com o tempo, com as identidades, usando para tal do próprio corpo, não como representação autobiográfica apenas, mas explorando possibilidades que descontrói sua identidade no momento que a mesma se apaga em função do discurso que a obra impõe.
Em vários trabalhos o artista se apresenta com venda nos olhos. Por que não pode assistir ao mundo que o massacra, como um condenado em frente ao pelotão de fuzilamento? Talvez. Mas pode ser também para que, bloqueando o sentido da visão consiga enxergar para dentro de si, conscientemente acurando a própria sensibilidade. Ou ainda para manifestar como num espelho a cegueira que nos impede de perceber o que se passa ao nosso redor. Os desenhos e colagens bastante simplificadas apontam para o desenvolvimento de ícones imagéticos que se repetem como sinais gramaticais da escrita visual na obra. Há experiências de uso da imagem em movimento. Meios de reprodução do trabalho em rede. A arte postal, que é uma forma de atuar em rede prepara uma futura desconhecida forma de continuidade então com aparato tecnológico da WEB. Os trabalhos com discurso políticos queapresentam questões sociais, pensamentos sobre o corpo. Há muito por ver conhecer de Claudio Goulart.
A arte exige criação de execução não repetível, pois o artista impõe para si formas de trabalho que são peculiares a cada realização. Cada solução especifica em cada tarefa deve resultar como algo que não poderia jamais ter sido produzida de outra forma. É a busca da originalidade.Aindaassim sinais da elaboração, nos andaimes invisíveis dessa construção que exigiu estudo e experiência prévia sejam sentidos pois o artista desconstrói ao mesmo tempo que acrescenta uma nova camada de sua percepção ao resultado apresenta. Neste sentido Claudio Goulart é artista.
Em trabalho exaustivo e persistente de continuar sua obra ele se mantém ora na luz outras na penumbra como novídeo onde dois corpos nus se movimentam enrolados por fios como novelos, e nesse movimento, enquanto um desenrola osfios de seu corpo o outro vai tendo o seu corpo coberto pelo mesmo fio. Também sutilmente os dois corpos ao girarem se mostram mais ou menos iluminados na tela, ou se escondem no lado pouco iluminado à medida que avançam ou recuam.Metáfora de relações afetivas que oscilam da visibilidade ao apagamento conforme espaço deum e outro, onde suas personas interagem. 

AÇÃO EDUCATIVA
Quanto é preciso conhecer da Arte nos livros, na História, nos relatos para que o repertório seja acionado e permita acessar, mediar o sistema da Arte? Estar entre artistas, conviver, herdar, produzir? Onde atua exatamente um curador? O que é possível dizer sobre uma exposição de Arte? Como classificar? Devem-se dar aspistas a que outros construam sentidos, quando até as etiquetas que identificam são abolidas?
Os curadores, historicamente são considerados elitistas e os educadores populistas na medida em que ambos influenciam a possibilidade de fruição do publico nas exposições de Arte. Não há um consenso e parece, a dialética desse conflito tem avançado e movimenta os espaços de frequentação artística.
A ação educativa é uma metodologia de mediação entre a instituição, o autor/curador que observa no trabalho de arte possibilidades disparadoras de compreensão dos públicos. Para que a mediação cultural na exposição de um artista ocorra, são necessários alguns requisitos, como os dados sobre a vida e obra do artista, e sobre o contexto histórico e artístico da produção vigente. Dessa forma, o público entendendo as imagens e sua representação no imaginário social, poderá identificar semelhanças, diversidades, peculiaridades e a importância de determinada manifestação artística.Sempre é significativo dar a entender acerca do quanto de produção foi realizada para que o repertório estético do autor seja visivelmente relevante, bem como quais bases artísticas podem estruturar a poética apresentada, mesmo esclarecendo que a formação acadêmica é muitas vezes desnecessária e em outras é até vista com preconceito por curadores, que acreditam nos processos subjetivos dos artistas cuja originalidade prescinde de escola, mas sim emergem e se desenvolvem a partir da automotivação.
A curadoria pública, com os visitantes definindo trabalhos para uma exposição fictícia, numa espécie de meta curadoria, tem sido eficiente na mediação quando ocorre, pois no processo de escolher as obras,se colocando no lugar do curador que previamente definiu a exposição é possível significar as decisões e provocar novas interações e leituras até então não percebidas, ou pouco ressaltadas. Apresento então minha curadoria pessoal.

BRAZILIAN WATERCOLOR
Minha obra preferida. Gostei da exposição, no geral, da montagem e da diversidade de técnicas expostas, mesmo por que não esperava uma coleção de naturezas mortas em óleo sobre tela, mas a “Aquarela Brasileira” me tocou especialmente pela tridimensionalidade que se constata nas fotos que registram essa instalação. Já vivi uma experiência pessoal nostálgica ouvindo Aquarela do Brasil, na voz de João Gilberto em disco de vinil, antecipando a saudade que sentiria do Brasil em 1988. Na época era uma sensação chorosa e desconfortável, de quem está entrando em um labirinto escapando de outra realidade, ou tornando palpável uma realidade de desilusão imaginada, que me fazia sair do país. Na época eu não aceitava a falta de sentido para a vida, ou a razão da morte. A AIDS amedrontava o mundo gay. O tempo passou. Até a falta de sentido faz algum sentido, somos enquanto Terra um grão cósmico na imensidão do universo. Suponho que o Claudio tenha encontrado as respostas que lhe eram devidas assim como é a todo ser; quanto a mim imagino que será fácil Deus explicar o sentido da vida, quero ver explicar o sentido da vida a uma pedra. E desejo que seja o que for que tenha sido a razão do seu impulso criativo “descriador” o resultado do que Claudio produziu corresponda ao esforço empreendido nesta jornada, pois afinal e contas isso foi a própria vida do artista.


COISA DE MUSEU

COISA
Objeto é coisa material e pode ser percebida pelos sentidos.
Coisa mental ou física para o qual converge o pensamento, o sentimento ou ação.
Assunto de uma pesquisa.
Agente, motivo, a causa.
Fim, propósito ou realidade apreendida.
Demanda em juízo.
Um postulado matemático, ponto, reta, equação.
Imagem que se forma no sistema óptico.
Do latim objectus, é aquilo que se apresenta aos olhos, obstáculo.
O obstáculo é o objeto pessoal significativo da minha trajetória. É o que me acompanha, e tem relevância. Seu valor é afetivo e serve para falar sobre mim. Assim, objeto de memória, ele poderá ter evocado o sabor da cera do lápis de cor que experimentei na infância. Lápis que riscava a folha branca de papel e que me fazia ver representadas as linhas das tiras de cetim branco trançadas das sapatilhas nos pés e tornozelos de uma bailarina de faces rosadas e saia armada. Minhas irmãs ensaiando o Lago dos Cisnes na sala de estar.Objeto é a saudade de escutar a valsa das Flores da Suíte Quebra Nozes de Tchaikovsky, rodopiando até tontear. Avistar o meu pai amado, olhar para minha mãe eterna, ver meus amigos mais queridos. Tocar a neve e sentir seu silêncio tremendo.
Meu objeto pessoal é meu corpo. E do meu corpo emanam todas as possiblidades e maravilhas sensoriais. O tato, a visão, o olfato, a audição, o paladar, até a intuição, o sonho, as inconsciências, as marcas e dores eprazeres significam importância e valor em minha existência.
Alguém dia desses, me disse quediferentemente do que imaginamos não é o corpo que contém a alma, mas ao contrário, é a nossa alma que vai com opassar da nossa existência aprendendo e apreendendo o corpo. A memória do corpo,a ilusão de um corpo possível:o objeto mais caro em mim. Ele me importa e me define. O corpo é objeto limitado quando na infância nos exige aprender, engatinhar, caminhar, correr, crescer. Na juventude ele é obstaculizadopelas responsabilidades, pelas exigências da maturidade, da autonomia, na inevitável consciência dos erros e acertos. Na velhice o corpo é objeto de cuidado e atenção, na medida em que as fragilidades vão se impondo.
No livro Introdução ao Pensamento Complexo, Edgar Morin descreve sobre o envelhecimento como ausência de morte. Ele explica que quando as células param de morrer elas deixam de se renovar e a velhice então apresenta os seus sinais até a morte do corpo. Sagrado, ao abandonar a vida na sua forma humana ainda permanecerá no planeta sendo ainda evolução, fazendo parte da Terra.A filosofia de Platão narra sobre a cama, que é ideia, cama que é matéria e cama que é representação ilusória. A cama serve ao corpo. Na História o corpo foi torturado, glorificado, moldado e libertado, modificado, genética e esteticamente transformado. Para a Religião o corpo não interessa. Na Arte, Picasso destrói o espaço de representação e os corpos angulosos da primeira pintura cubista impuseram uma nova compreensão estética. A vida é plena de sentidos do corpo nu, em pé, na escuridão, no meio do quarto, num romance de Clarice Lispector. Nos museus os corpos transitam e fruem de objetos que nada significariam não fosse essa presença humana. Os objetos são o meu corpo expresso, pois existem na medida da relação exercida pelo corpo.
Também aos outros meu corpo é objeto, na medida em que minha presença ocupa espaço/tempo/memória. Porque guardamos como objeto de afeto, de desejo, de motivo, de repulsa e de imagem acaba por se definir aquilo que somos coletivamente: o nosso corpo em corporativismo. 

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Museu Pedagógico

O Museu Pedagógico José Pedro Varela está localizado nas proximidades da Praça de Cagancha, região central de Montevidéu, Uruguai. Este museu é especializado em pedagogia. Como a maioria dos museus no Uruguai, a entrada é gratuita.
 História
O museu foi fundado em 25 de janeiro de 1889 por Alberto Gómez Ruano, semelhante ao Museu Pedagógico de Paris que tinha apenas 10 anos de idade. Surgiu em decorrência da Reforma Vareliana, a reforma educacional uruguaia promovida por José Pedro Varela, cujos fiéis princípios foram: Gratuidade, Secularismo e Obrigatoriedade. Este lugar foi criado como um local de estudo para o magistério nacional. Possui serviços de biblioteca para pesquisas, sala de conferências e concertos. Entre os seus objetivos está o de "divulgar e preservar o acervo museográfico referente à área educacional".



Lentamente, por catálogo, por troca, por meio de escavações arqueológicas realizadas pelo próprio Gómez Ruano, a coleção do Museu foi ampliada, tornando-se modelo na América.A principal função do Museu Pedagógico em sua primeira etapa era servir de laboratório para futuros professores que estudavam no Internato Normal para moças que ocupavam o último andar do prédio.



No piso intermédio, o Museu e a Biblioteca Pedagógica são um instrumento na formação de professores e um meio de divulgar os princípios, métodos e materiais da reforma.

No térreo, com entrada através de Colônia, a Escola para a Aplicação de Jovens Senhoras, escola modelo da Reforma Vareliana, na qual os estudantes do estágio realizavam sua prática.

 





 

Acervo
Possui em seu acervo:
5.000 objetos museísticos
6.500 livros e publicações periódicos
2.000 fotografias
200 moedas e medalhas
500 diapositivos
100 lâminas de vidro,
manuscritos e autógrafos originais de cientistas e personalidades da educação.

  

Referências




ASPERAMELODIA





ASPERAMELODIA
Carlos Asp - 70 anos
            Historicamente as datas demarcam tempos. O registro da passagem do tempo é único para cada momento. Podemos dizer que o dia, o mês e o ano de um acontecimento, convencionalmente, não permitem enganos. Os fatos estão inexoravelmenteligados ao tempo em que ocorrem. Assim é com as pessoas. O momento e lugar de nascimento, o primeiro pensamento, a linguagem, a compreensão dos sentidos, as fases do desenvolvimento sócio cognitivo, as diversas descobertas de si e dos outros. Tudo existe sob a égide do espaço e do tempo. Entretanto, se analisarmos os eventos não apenas pelas datas das ocorrências, mas também através da apreensão de outros elementos: o que comíamos, a que música escutava, se fazia frio ou calor,que roupa nós vestíamos, com quem estava ali, se era noite ou dia, que fase da lua se desenhava no céu, a posição dos outros planetas do sistema solar, os fatos mundiais, do país, do estado, da cidade; é possível afirmar que teremos um espectro ampliado dos episódios. Talvez isso não caiba num texto, nem numa conversa, muito menos numa obra artística, pelo volume de informação que exige de quem a comunica e também de quem a intui.Pois, expandir a percepção requer entendimento por vezes indizível acerca do transitório efêmero que nos cerca.
Acerca do terreno movediço que o apontamento das lembranças na memória registra, devemos observar que:
As pessoas que passam suas vidas lendo e tiram sua sabedoria dos livros são semelhantes àquelas que a partir de muitas descrições de viagens, têm informações precisas a respeito de um país. Elas podem fornecer muitos detalhes sobre o lugar, mas no fundo não dispõem de nenhum conhecimento coerente claro e profundo das características daquele país. Em compensação os homens que dedicaram sua vida ao pensamento são como aqueles que estiveram em pessoa no país: só eles sabem propriamente do que falam, conhecem as coisas de lá em seu contexto e sentem-se em casa naquele lugar. (Schopenhauer, 2010:45)
Ainda assim, por mais que estejamos imersos, impregnados na experiência histórica dos fatos, algum esquecimento irá apagar,nas narrativas, lembranças:
Assim, reconstituo um quadro, mas que é bem mais amplo, e onde me sinto singularmente perdido. Desde esse momento fui arrastado sem dúvida pela corrente da vida nacional, mas apenas senti-me arrebatado. Estava como um viajante sobre um barco. As duas margens passam sob seus olhos o trajeto se enquadra bem nessa paisagem, mas suponhamos que ele seja absorvido por alguma reflexão, ou distraído por seus companheiros de viagem: não se ocupará com aquilo que se passa sobre a margem senão de tempo em tempo; poderá mais tarde lembrar-se do trajeto sem muito pensar nos detalhes da paisagem, ou então poderá seguir sem muito pensar nos detalhes da paisagem, ou então poderá seguir o seu traçado sobre um mapa; assim, encontrará talvez algumas lembranças esquecidas, precisará outras. Porém, entre o país percorrido e o viajante não terá havido realmente contato. (Halbwachs, 1990: 56)
No campo da memória entre uma lembrança e outra, persistem vazios, lapsos, brancos, como arestas invisíveis de um quadrado que inscreve em si uma circunferência. Na arte o que preenche esses espaços é fenômeno de apreensão do objeto pelo público mediado pelo suporte que por sua vez é também receptáculo do pensamento criador do artista. Como descrito nas citações de Schopenhauer e Halbwachs, o valor do conhecimento é revelado nas nuances da experiência coletiva que o afirma Tendo em mente o aprofundamento necessário para compreender/ler exposições em arte é necessário posicionar as condições em que uma determinada exposição ocorre. A obra é elemento preponderante e orbitam ao seu redor os instrumentos, os materiais e as ações que vão sustentar a intenção de apresentação dessa obra.Na arte contemporânea a diversidade de possibilidades da manifestação artística, que rompe com suportes e com cânones imagéticos, que amplia conceitos estéticos e técnicos, inevitavelmente encaminha para aválida multiplicidade de leituras, multiplicidade essa que muitas vezes é desejada por quem produz a arte.
A artista FaygaOstrower, referência estética de Asp, ao narrar sobre sua experiência como educadora defendia a noção de que para que a arte exista é necessário comunicá-la ao publico; ou seja, só uma mente criadora tem a capacidade de produzir sentido ao apreender a expressão criadora. Esse é um pressuposto que desmonta a ideia da arte figurativaque revela prontamente o que representa.Fayga usava o argumento de que o gesto artístico é nunca repetível na mesma medida em que o tempo não volta atrás. As condições em que eles se apresentam, tempo e gesto, são únicos. Você pode estar perseguindo um ideal de representação, um modelo, mas cada vez será uma ação exclusiva, subjetiva e única. É impossível repetir o gesto sem repetir o momento, sem fazê-lo voltar no tempo. No gesto infantil que desenha não há repetição porque sempre há descoberta.Da representação infantil é sabido que os traços identificados em garatujas correspondem a um estágio de apreensão do saber, das coisas, do mundo ao redor na interação com instrumentos que posicionam as crianças em relação ao espaço que ocupam acontecendo no espaço de representação da folha de papel ou qualquer suporte chão pedaço de madeira ou parede da casa. A noção de olhar criador do público na compreensão de que todo gesto artístico é único em aparente repetição, qualificaa leitura sensível de uma exposição em arte.
 A exposição ASPERAMELODIA, comemorativa aos 70 anos de idade do Carlos Asp reafirma e propõe questionamentos sobre imagens e imaginários. Ele pertence à geração de artistas dos anos de 1960, integrou em Porto Alegre o coletivo vanguardista Nervo Óptico - N.O., entre 1976 e 1978, conforme a curadora Ana Albani de Carvalho descreve no texto de apresentação da exposição, que está reproduzido em folder disponível aos visitantes da Pinacoteca.Atualmente vive em Florianópolis. A montagem reuniu desenhos, objetos, escritos, instalações e documentos do artista. Os desenhos e pinturas do salão de acesso estão dispostos na parede fixados com um adesivo especial de forma a manter o suporte das obras,verso de embalagens diversas,no formato original, sem uso das tradicionais molduras ou vitrines envidraçadas. Mantém-se a linha de visão do público expondo agrupamentos de trabalhos que entre si e no conjunto compõem uma espécie de campo reticulado, onde variações de cor, espaço, aproximações e distanciamentos de figuras diversificam o ritmodas formas articuladas visualmente.Uma dasobras está suspensa deixando ver o lado oposto do suporte com imagens de rótulos dos invólucros. Um banco está localizado no centro do espaço.
A maneira de mostrar uma seleção de obras de arte reflete diretamente na curadoria de qualquer exposição, pois é por meio da montagem, além, naturalmente, das obras selecionadas, que o curador vai expor suas ideias. Seja estabelecendo relações formais ou conceituais entre as peças expostas, seja localizando-as de forma estratégica no espaço, a disposição das obras pode resultar numa exposição eficaz, onde os diálogos propostos facilitam a compreensão dos objetos expostos, ou num labirinto de ideias onde o visitante se sente perdido. (Cintrão, 2010:15)
Nas salas contíguas ao salão principal, estão expostas instalações junto de documentos e outras imagens. Imagens florais e de representação de paisagematribuem conotação temática da natureza aosobjetos. Um jardim com flores estampa a coberta.
         Um olho que imagina além do que vê,o espaço tomado pelo movimento das coisas, a passagem do tempo, não o tempo histórico, mas o tempo transitório. A manhã, à tarde, e a noite, a madrugada e a manhã novamente. O movimento circular, a circularidade. Os astros? Dentro, fora,contido, expandido. Campos relacionais? Ocultismo? Necessário o exercício criativo que permita intuir outra compreensão das obras do Asp, para não se deixar levar pela inquietação de que sua obra não importa.
Tradicionalmente o pensamento de Marcel Duchamp tem sido considerado o responsável pelo deslocamento conceitual dos objetos permitindo com que o discurso estético sobreponha-se à poética visual. Movimentos artísticos consagrados pela história da arte reforçam esses argumentos da vanguarda proposta pelo artista no inicio do século XX. O que vemos na obra de Asp não foge ao que Duchamp iluminou, ampliandoa força estética em sua obra justamente com ouso de materiais precários. É evidente que, se o enunciado de Duchamp permanece atual, da mesma forma a reação ao que o artista manifestouainda persiste em grande parte do público frequentador de exposições. Eles consideram a obra de arte como produto para deleite, anestésico com a função de encantar, reproduzindo um mundo de beleza idealizada, mesmo que morto. Ainda quedatada, a arte contemporânea é bastante desconhecida, de forma que fica sujeita a interpretações equivocadas, e baixa aceitação, especialmente na população de menor escolaridade.Nomes como Bispo do Rosário,Pablo Picasso,que dizia perseguir a espontaneidade infantil para a resolução de cadaobra que produziu; Jean Michel-Basquiat,Iberê Camargo e Cy Twonbly entre outros tantos, reconhecidos hoje como ícones,são exemplos de artistas que imprimiram na história da arte seus inconfundíveis modos de expressão utilizando-se de estratégias únicas. Na obra de Carlos Asp é possível perceber seu engajamento com a livre expressão no decorrer do tempo que soube reinventar em cada gesto consequente em obra. A exposição que homenageou o artistanos seus 70 anos é o reconhecimento da comunidade artística de Porto Alegrea sua persistênciaque ousa inaugurar “entre restos” formas de “pensar e agir”.
 Na saída da Pinacoteca Ruben Berta, após visitar a exposição, entramos na crueza da cidade. Automóveis, transeuntes, calçadas, ruas. Todo o caos urbano dessa capital é atmosfera de imersão. Não imaginamos perambular sem rumo ao sabor do vento, seguindo a direção das pessoas, guiados pela livre intuição para onde ir, ou muito menos vamos atrás de onde o sol se põe. Não colocamos o dedo nas paredes enquanto andamos para sentir a aspereza da tinta. Traçamos um destino a cumprir, se mais lento seguimos a pé. Calculamos onde e quando queremos chegar antevendo o que faremos então lá. Não é pressa nem correria, mas simplesmente um jeito de lidar com nossas possibilidades ou necessidades. Enquanto isso, jovem negro é assassinado, alguém descobre o amor, um velho bebe água, alguém perde grana, uma criança chora de fome; um aprendizado, uma conquista, uma queda, um respingo, um rasgo, um som, um tapa, um piscar de pestanas; tudo nos acontece. Ou acontece com eles, que “no eslomismo pero es igual”. Aquele silêncio aterrador, de quem está sem respostas para a desesperança que insiste em combalir nossos esforços, se impõe. Então nós nos sentimos vagando a esmo, mesmo que pareçamos de um jeito automático, cônscios dos próprios passos. Daí é preciso lembrar, da razão/desrazão que possa, como no fazer do CarlsoAsp, alinhar sentidos ainda que num mundo, onde falta sentido ou justiça social, faltas que nos assolam em humanidade e coletividade. Onde o artista encontra energia para persistir se arriscando em uma existência que sabidamente efêmera cada dia mais quer se inventar imortal, e possuir simplesmente, ilusoriamente, garantias enganosas de perenidade?
CINTRÃO, Rejane. As montagens de exposições de arte: dos salões de Paris ao MoMA. In: RAMOS, Alexandre Dias (org.). Sobre o ofício do curador. Porto Alegre: Zouk, 2010.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice. 1990.
SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Porto Alegre: L&PM,2010.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

transinterações


michael jackson
 e o break 
e o angelus novus de paul klee
 que walter benjamin acusou de imagem da era pós moderna, na visão de alguém que leu por alto algumas coisas e que não tem certeza de nada.









Em Paris, já faz tempo.

Por uma voz...

Por uma voz...

De todas situações confusas que eu pude viver, talvez a de não entender o que minha voz interior quer dizer seja a mais interessante de tentar relatar. A vida é jogo. Arriscamos sempre, na ação ou no inércia. O corpo cede, avança, retrocede, recua através do espaço que a imaginação permite conceber. O calor, ou melhor, as sensações são chaves que abrem portas de percepção. Escolhemos por onde penetrar e vamos escolhendo os meios para entender essas penetrações. Se nosso corpo recua é porque necessita munição de entendimento se ele avança, é porque não quer se acomodar na segurança da situação. Será verdade que as dores, os sobressaltos nos dizem muita coisa?..

EU, O VELHO E O MUSEU.


EU, O VELHO E O MUSEU.
Costumo pensar que a minha escolha pela Museologia foi feita em causa própria. Decidi estudar novamente aos 57 anos beirando a aposentadoria depois de ouvir várias opiniões e queixas sobre o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. Alunos sem perspectiva de aprovação, em aparente desmotivação com o estudo, na descrença do conhecimento como ferramenta para profissionalização, enfim, tudo que tive de superar para investir na minha formação e que persiste no mundo escolar. Não vou aprofundar acerca do sistema de ensino excludente que reforça os estereótipos de incompetência atribuídos a nossa juventude. Combati isso desde sempre e não foi diferente na Universidade Federal doRio Grande do Sul, onde cursei primeiramente a Licenciatura em Artes Visuais e depois a Especialização em Educação profissional. Não é só com jovens, ou velhos, ou pobres, ou deficientes, ou negros, ou lésbica, gay, bissexual, transexual -  LGBTs, ou mulheres, mas com todos que não aparentam o estereótipo branco machista, classe média, burguês opressor.
Além de testar e constatar minha competência para aprovação no ENEM, maravilhoso foi saber que minha pontuação abria possibilidades de ingresso em outros cursos,na área da Arte, em locais que eu simplesmente adoraria viver, como Ouro Preto e Salvador. Essa oportunidade aos 20 e poucos anos certamente eu agarraria e me aventuraria sem amarras no projeto de estudar fora de Porto Alegre. Entretanto, agora, precisei me conformar com a proximidade da Faculdade de Biblioteconomia de Comunicação – FABICO, de onde resido, e aqui estou desde 2017. Quem sabe depois, na aposentadoria, mudo meu rumo?
AS PRIMEIRAS AULAS
No primeiro semestre optei por cumprir com um número menor de matérias, e fui ampliando no decorrer dos estudos. Apressando-me lentamente em direção ao amadurecimento deste conhecimento acerca de Museus e da complexa rede de saberes que o envolve persigo cumprir com o objetivo a que me propus desde o início:usufruir prazerosamente da universidade.
AS EXPECTATIVAS SOBRE A HISTÓRIA DOS MUSEUS
Conhecendo de antemão a metodologia de ensino, das aulas expositivas e seminários, que é recorrente na UFRGS, não esperava e não encontrei nada diferente. Com experiência em estudar e ensinar História da Arte, adquiri alguma facilidade em relacionar tempos e fatos, e contextualizá-los historicamente, o que tem sido de ajuda ao agregar os eventos que se relacionam a história dos museus. Independentemente da noção de que a base do conhecimento, inclusive em História, é tradicionalmente vinculada ao ensino básico, o patamar para aprendizagem, a meu ver, pode elevar-se em qualquer etapa da vida.
DESCOBERTAS.SURPRESAS
Retomar os estudos na universidade após tanto tempo tem sido uma experiência compensadora especialmente ao conviver com os jovens. Observo colegas estudantes, compromissados com os estudos, envolvidos com seriedade nas leituras que realizam e com muito conhecimento. São protagonistas de suas aprendizagens. Encontrei equipamentos, instalações, espaços de convivência apropriados ao estudo. O Centro Acadêmico é atuante. Professores cumprem com interesse suas rotinas de trabalho e demonstram apreço pelo curso.
A maior surpresa não foi acadêmica, mas política. A UFRGS sempre foi um espaço de pluralismo de pensamento. Aqui se convive democraticamente na perspectiva dialética necessária para produzir conhecimento qualificado, e reconhecidamente valorizado em muitas instâncias das sociedades brasileira e internacional. A sombra de narrativas fascistas avançando, sobre esse campo iluminado de saber, assombrando o respeito às contradições históricas, sobre o elevado papel social da UFRGS; com a perspectiva de governo que promete restringir e desqualificar a educação brasileira é preocupante e exige além da dedicação aos estudos. Isto nos leva a defender, manifestando nas ruas os direitos à gratuidade, à qualidade da universidade pública. Muita mobilização pela frente será necessária para evitar o já anunciado desmonte das instituições educacionais do Brasil.
Pontos fortes
O curso de Museologia goza de boa reputação no cenário da UFRGS e na comunidade em geral, haja vista a boa receptividade nos diferentes espaços culturais a que acessamos como alunos do curso. Há diversos incentivos para visitas técnicas, viagens de estudos, participação em palestras.Estudar aqui é bom. A disciplina e o compromisso com o estudo presencial me motivam a escrever, a ler, querer saber mais. Procuro equilibrar, na minha posição de aluno experiente, a participação nas aulas, pois entendo que a idade me chancela uma aparente, e errônea muitas vezes, credibilidade. Ao mesmo tempo, se minhas intervenções permitirem problematizar temas com alguma relevância, trazendo diversidade e multiplicidade de visões ao processo educacional, eu estarei aprendendo e contribuindo com a Museologia. Afinal o velho e o museu são parentes numa família onde se respeita o tempo humano.

segunda-feira, 1 de julho de 2019

LAS CAJAS ESPAÑOLAS




Las Cajas Españolas - É um documentário espanhol que narra fatos ocorridos entre guerras mundiais, de 1936 a 1939. Foram três anos de guerra civil que teve muitas facetas, e diferentes pontos de vista: viram como uma luta de classes, uma guerra religiosa, uma luta entre ditadura e democracia republicana, entre revolução e contra revolução, entre fascismo e comunismo. Os Nacionalistas venceram e governaram a Espanha até a morte de Franco em novembro de 1975.

Os esforços, muitas vezes de personagens anônimos, impediram que extremistas praticassem saques e destruição de monumentos e artefatos a exemplo do ocorrido na Revolução Francesa. Para proteção do patrimônio cultural e artístico a comunidade se organizou e tratou de recuperar e salvaguardar na medida do possível, o acervo espanhol de documentos e objetos. Erros e acertos são mostrados nessa tentativa. Com o ataque ao Museu do Prado por nazi-fascistas se intensificam os deslocamentos de proteção. Inicialmente até Valencia e depois França, as obras de arte são transformadas em reféns, salvo conduto do governo que divulga para o mundo a existência das cerca de duas mil caixas com objetos de arte.
Impressionante relato, narrativa histórica em precisa reconstituição dos fatos. Trabalho primoroso de imagens em movimento. O dilema contemporâneo que serve de pano de fundo ao filme não é heróico: Totalitarismo ou Anarquia. Estar vivo e ter uma vida são coisas diferentes. Las Cajas Españolas apresenta a necessidade fundamental do ser humano em defender o que simbolicamente dá sentido a uma existência digna, contra a condição de zumbis do fetichismo capitalista. O filme nos leva a imaginar um mundo sem imagens, uma vida sem arte, a história da pintura sem as Meninas de Velázquez e a Maja Desduna de Goya. 
Na distopia fascista, anulado o pertencimento social, entre esquecimentos e apagamentos, o que nos restará de vida? Segurança pelo medo, proteção sem dignidade, sobrevivência sem sentido. Navegar é preciso. Cumprir com as tarefas que nos são impostas exigem instrumentos de precisão. Viver não é preciso, é reinvenção, é imprevisibilidade. Vida precisa da arte.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Exposições de Arte são para mim?


Exposições de Arte são para mim?
Sim. Exposições de arte são para todos. A arte é o ofício do artista que a produz para ela comunicar de diversas formas, instigando, provocando a sensibilidade humana. A arte é o exercício da liberdade humana em um mundo possível. As exposições de arte são para criança, adulto, idoso, estudante, trabalhador, aposentado, médico, operário, alguém apaixonado, triste, ninguém, desiludido, professor, dona de casa, avó, tia, mulher, homem, feminista, negro, gay, capitalista investidor, crítico de arte, turista, amigo do amigo, político, empresário, pobre, analfabeto, milionário, traficantes e usuários, doentes e sãos, deficiente físico, cego, surdo ou mudo, casado, divorciado, solteiro, ladrão, assassino, tarado, inocente ou culpado, corrupto, reacionário, anarquista, de esquerda, de direita ou politicamente alienadas.
As exposições ocorrem na maioria das vezes em centros e instituições culturais, museus, galerias; e costumam ser públicas, ou seja, não é preciso pagar nada para visitar. Por serem locais que abrigam arte e têm manutenção de forma a não prejudicar alguma obra, os ambientes são normalmente limpos e arejados, portanto, é agradável de estar ali. Algumas exposições ficam localizadas em bairros interessantes da cidade, nos espaços têm muitas vezes uma pequena loja de souvenirs, ou café, sendo que se torna atrativo frequentá-las.
Recomendações são necessárias e nos ajudam a fazer da visita uma experiência proveitosa. Vou usar como exemplo uma ida recente que fiz à mostra que narra um pouco da história do Atelier Subterrânea, de Porto Alegre, a partir do conjunto de obras existente no acervo do MACRS, oportunizando que o público possa perceber um pouco das trajetórias seguidas pelos artistas.
As peças mostradas foram produzidas em diferentes técnicas: desenho, vídeo, objetos tridimensionais, pintura, gravura. A Galeria Xico Stockinger é também conhecida como Galeria Branca, pois suas paredes são brancas, o piso é branco e o teto também é branco, para que a luz pareça neutra no ambiente enfatizando o que esteja exposto. Da porta de entrada é possível enxergar todo o local expositivo, o que já nos dá a noção do que temos pela frente. Ao lado da porta e antes da escada tem um texto na parede. É a minha primeira recomendação de visita a uma exposição de arte: ler o texto de apresentação. Li o texto atentamente, vejo que ele foi pensado e escrito para comunicar resumidamente epara ajudar a entender qual é a proposta dos curadores. A segunda recomendação é a de manter os braços e mãos seguros. Geralmente, quando tenho a tentação de tocar em uma obra exposta eu me controlo e, com as mãos para trás, agarro uma mão com a outra mão sem soltar, ao mesmo tempo em que coloco minha atenção para o olhar, sem distração. É preciso dizer que se todos que apreciam um objeto artístico o tocassem em pouco tempo certamente ele estaria danificado pelo manuseio. Outra recomendação é observar as etiquetas perto do que está exposto, e assim conhecer melhor sobre a história da obra, seu autor, data em que foi produzida e origem. A exposição é eventual, portanto, as obras vieram de algum lugar e provavelmente voltarão para o lugar de origem. A origem pode ser o atelier do artista ou algum acervo de colecionador, ou ainda uma instituição,outro museu, uma galeria. É possível fazer o exercício de imaginar onde essa obra estaria para além do lugar onde se encontra atualmente. Eu me surpreendo pensando em lugares inusitados de quadros e objetos expostos. Também os artistas e curadores pensam em possibilidades expositivas para realizarem suas escolhas de obras e espaços[1]. Algumas vezes, quando o tempo permite ou a mostra exige equipes de curadores, artistas e profissionais discutem e planejam conjuntamente desde folhetos, comunicação, catálogos, projeto educativo, projeto expositivo e de montagem em detalhes. Tudo para que o trabalho resulte numa experiência significativa para o público, pois a verdade é que sem o público que a perceba a arte falha na sua função comunicativa principal. A quarta recomendação é silenciosa. Especialmente em se tratando da obra de arte visual onde existe a intenção de expressar pela imagem, para que possamos interagir com ela uma mínima contemplação é exigida. Quando eu paro de pensar diante de, por exemplo, um quadro ou escultura e deixo que meus olhos façam uma “leitura”, eu abro a possibilidade para essa interação sensível. Ruídos ou conversas altas atrapalham. Por último, devemos verificar se no próprio local expositivo existe alguma informação, algum cartaz, recomendando quanto ao uso de celular, fotografias, alimentos durante a visita.
Existem muitas razões de ser das exposições de arte. Razões artísticas, históricas, sociais, econômicas, políticas, são algumas delas.  As exposições existem para consagrar o nome do artista, para que algum comprador possa ver uma obra sua e adquiri-la, para qualificarem o currículo de curadores que poderão ampliar o campo de atuação,existem para promover o trabalho de montadores e profissionais ligados à área cultural. Também existem para que as exposições de arte sejam experiências que valorizem a instituição, especialmente se as mesmas contam com nomes importantes do meio artístico[2]. Exposições de arte propiciam questionamentos e aguçam ideias estéticas. A arte permite a reflexão sobre o mundo e você pode pensar o que quiser de uma obra de arte. Pode rir ou chorar, debochar, desprezar, temer, desejar, amar, odiar, ignorar, menosprezar, subestimar, bajular. As exposições de arte são momentos de interação e contemplação, mediando as mais diversas desigualdades e conflitos através do fenômeno artístico. Quando alguém é tocado na sua sensibilidade pelo que a arte expressa uma potência transformadora é eternizada.

O Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul – MACRS, Galeria Xico Stockinger fica na Rua dos Andradas, 736, 6º andar da Casa de Cultura Mario Quintana. A curadoria que escolheu as obras e documentos expostos foi de Alexandre Santos, Marilice Corona e Neiva Bohns. É só chegar. Adauany Zimovski, Antônio Augusto Bueno, Gabriel Netto, Guilherme Dable, Gustavo Pflugseder, James Zortéa, Jorge Soledar, Lilian Maus, Luciano Zanette, Rodrigo Lourenço, Teresa Poester e Túlio Pinto. A abertura ocorreu dia 21 de março de 2019, às 19h, até 30 de junho de 2019, de terça a sexta das 10h às 18h, sábados e domingos das 12h



[1] GONÇALVES, Lisbeth Rebollo. A exposição de arte: conceituação e estratégias. In: GONÇALVES, Lisbeth Rebollo. Entre cenografias: o museu e a exposição de arte no século XX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/FAPESP, 2004.A partir do século XX, os museus passaram a utilizar paredes brancas, a realizar exposições temáticas. A importância do curador também é tema de reflexão, bem como a receptividade do público a essas novas formas de exposição.
[2]RUPP, Bettina. O curador como autor de exposições. In: Revista Valise, v.1, n. 1, ano 1. Porto Alegre, julho de 2011. Para saber mais sobre intenções curatoriais e as propostas de legitimação, projetos e temáticas artísticas.