domingo, 26 de dezembro de 2010

2011, Eu e o Morcego

2011, Eu e o Morcego.
Não é medo. Pelo menos, não o medo cotidiano, o de ficar sem grana para pagar contas, medo de ficar sem saúde, das perdas.
Encolhido e deitado, aproveitando a sombra que a parede do tanque de lavar roupa encobria o pequeno animal, ele parecia indefeso e feio, fazendo movimentos quase imperceptíveis que davam pistas de que a fadiga o trouxera até ali. Eu precisava do tanque. O invasor não estava nem aí para minha angústia em retomar o lugar na geografia da área de serviço. Apropriou-se, do cantinho, e ponto final. Estratégias foram planejadas para a ação de retomada do tanque e banir o invasor. Luvas, vassoura, pano de chão, eram as ferramentas escolhidas para o combate. Lancei sobre o inimigo o pano. Não percebi qualquer reação. Está definhando, imaginei. Avaliei a situação e levantando a hipótese pensei em agarrá-lo com as mãos enluvadas e jogá-lo pela janela. Decidi pelo afogamento. Abri a torneira. O morceginho cansado agonizava em baixo do pano de chão por uns minutos, e eu já me antevia juntando, com a pá, ele morto, e depois de ensacá-lo, fazer o sepultamento na lixeira do condomínio. Alguns minutos se passaram, e o bicho começou a nadar na piscina, em que o tanque se transformou. Atlético, ele respirava. Com os olhinhos pretos e brilhantes parecia tentar enxergar uma escapatória para seu destino funesto. Quer deixar um bicho morrer? Não olhe jamais para seus olhos. Do contrário, o instinto de preservação da vida irá convencê-lo ao salvamento.
A estratégia agora era para livrar o animal da morte iminente. Tomando certa distância alcancei a vassoura para que ele, agarrado nela, tivesse como sair da água. No movimento de retirá-lo o cabo da vassoura bateu no jarro antigo de cobre da prateleira de folhagens. Esse caiu e teve a base separada do corpo. Água, terra e planta ficaram esparramadas pelo chão. Meu olhar distraído perdeu a localização do morcego. Não sei se ele escapou pela janela, ou se alojou atrás do pedestal do tanque. Parece que estava sobrevoando os telhados dos outros prédios. Não sei se o reconheceria ao vê-lo novamente. Escutei uns gritinhos agudos misturado aos sons dos pássaros, que costumo ouvir daqui do 9º andar do edifício. Seria um agradecimento? Fui até a cozinha. Olhei para as pontas dos dedos da luva amarela tingidas de vermelho. Sangue? Tinta, eu pensei, aliviado. Por garantia vou manter ainda as janelas fechadas.
Os morcegos fizeram parte, por algum tempo, da minha vida. Na adolescência eu convivia, atemorizado por eles, no centro de Porto Alegre, onde moram nas casas antigas. O apartamento moderno e confortável onde passei boa parte da juventude era assombrado pela sua presença, o que de alguma forma anunciava uma intranqüilidade, um incomodo, uma insegurança, em meio à estabilidade do lar que nossa família buscava e que até hoje procura manter nos frágeis elos que nos unem. Fragilidade essa, que quando habita almas persistentes, pode resistir a grandes e amargos revezes.
O fato é que, a ocorrência desagradável dessa manhã de dezembro, que trouxe à minha memória lembranças bizarras esmaecidas no tempo, talvez seja disparadora, ou catalisadora, me fazendo mergulhar nessas narrativas vivas das nossas histórias. E, imerso nessas experiências cotidianas, ser capaz de olhar nelas metáforas, que expandam os sentidos alcançando melhores e mais confortáveis formas de satisfazer nossas necessidades humanas.
Para o bem e para o mal, um ano de 2011 cheio de verdade, é o que desejo!