quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

DISCUTINDO A RELAÇÃO.
Nada nos explica. Tudo nos afeta.
Conviver é a arte da tolerância. Tentar aceitar o mundo que a cada dia que passa parece evoluir para tornar-se inabitável é o eterno exercício de aprendizagem: imenso desafio. Muitas vezes sucumbe-se a acomodação e, até poder recuperar o fôlego para seguir em frente- a imagem é a do Angelus Novus , ícone pós moderno de Paul Klee, impõe-se uma condição catatônica, para que não se regrida, já que é impossível avançar no tempo coletivo.
Por mais que se permitam paradas para estacionar a alma, sempre tem uma hora que não é possível mais se deixar ficar. A esperar? O que? A última gota que vai transbordar um copo já cheio de mágoas? O que está a escorrer será já impossível conter. Por isso o que empurrei com a barriga e deixei para mais tarde se apresenta a me alertar que “mais tarde” é agora.
Eu conto as chaves, do carro, da porta do apartamento, da grade do apartamento, da porta do edifício, do portão do condomínio, da porta de entrada da escola, da sala de aula, da sala de aula da outra escola, do armário na sala dos professores, dos controles remotos que são chaves eletrônicas da garagem da escola, da garagem perto de casa; e as senhas, que são como chaves dos cartões dos bancos, e das lojas, e da internet, do MSN, e do que eu nem sei mais e todo o dia eu como, eu bebo, eu levanto; saio, volto, durmo e sonho, eu lavo, limpo, passo, sujo, telefono, eu escrevo, acordo, escuto, digo, eu esqueço, brigo, adormeço, suo,respondo, olho, desvio, dirijo, eu sofro, rio, danço, eu canso. Eu planejo, desisto, desligo, interrompo, reclamo, leio, pago, confundo, guardo, engordo, alucino, desapareço, machuco, eu toco, assopro, eu desencano, canto, desafino, sussurro, rejeito. Eu exercito , peno, canso; eu escovo, eu molho, rezo, eu odeio, eu corto, respiro. Quanto eu!
Quero separação de mim.
Não quero me separar.
Quero o movimento contraditório do querer. A mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo? Nada mais terrivelmente difícil.
Silêncio secreto. O espírito é quieto. A água que chove agora lava o mundo. As gotas do chuveiro do banho me lavam. O rio já não repete suas águas. O volume do copo metafísico se expande para conter, já sem mágoas, a verdade de que ainda eu sou a minha melhor opção.
Já que sou obrigado a me aturar eu vou tentar salvar, quem sabe, a filosofia.
Daqui em diante, amigos: o melhor de mim.
FELIZ NATAL E 2010
Jorge Fortuna Rial