terça-feira, 12 de agosto de 2014

Tempo, Espaço, Movimento e Miopia: da Arte do Renascimento à Video-arte

Tempo, Espaço, Movimento e Miopia: da Arte do Renascimento à Video-arte

Jorge Fortuna Rial

Resumo: O presente artigo é resultado de divagações acerca das transformações ocorridas na história da Arte, desde a invenção da perspectiva no Renascimento, passando pelo Barroco e invenção da Fotografia, até a Video-arte, atualmente. É, também, uma busca, em apontar para possíveis conexões, crises e contradições, ocorridas nesses processos históricos, como por exemplo, no caso das vanguardas artísticas, em reação à representação na Arte renascentista e, consequentemente, reação aos modelos simbólicos de representação social daquele periodo. Finalmente, junto a isto tudo, refletir acerca do atual ensino da Arte, na Educação Básica, em ambientes escolares ainda despreparados, especialmente no que tange à interação pública que as redes sociais ampliam, e ao uso das recentes tecnologias da linguagem audiovisual. No contexto histórico-social atual de massiva e fragmentada informação, quais as possibilidades do ensino da Arte e da Video-Arte? São apresentadas breves descrições e comentários fundamentados em leituras de textos escolhidos, sobre teoria da Arte, Video-arte, e outros, que podem contribuir com o trabalho de pensar sobre o assunto. O desejo é o de demonstrar, com a costura dos elementos: conceitos, imagens, relatos e definições - na tessitura do texto, a pertinência das considerações intuídas acerca do assunto.
Palavras-chave: Arte – Educação – História – Sociedade – Video-arte.


É possível confirmar a constatação de que a Vídeo-arte é o projeto artístico do terceiro milênio? Quais as características e diferenças da Video-arte em relação a outros estilos e movimentos, historicamente “consagrados”? Que reflexos, na sociedade e na escola, a Arte e a Video-arte produzem? Isso existe? Como a escola pode se apropriar da Video-arte, enquanto conhecimento da Linguagem? A Vídeo-arte, nos anos 60 e 70, “retoma o caráter das vanguardas históricas e aprofunda o rompimento com a visualidade renascentista” (Machado,1993). Nas telas renascentistas, a realidade ordenada e esquemática surgiu como produto de um olhar dirigido e mecanicamente elaborado por Alberti. Esse novo olhar era responsável pela construção de um sistema de representação cúbica, denominada perspectiva linear no qual os objetos em correspondência são observados por um espectador fixo que define um único ponto de vista. A construção da perspectiva não ocorreu de uma hora para outra. Pelo contrário, ela foi sendo elaborada ao longo de aproximadamente 15 gerações de hesitações e dúvidas, entre avanços e recuos por parte dos artistas. Por exemplo, para solucionar as dificuldades das coincidências entre desenho e luz, os pintores do Quattrocento apelavam para o recurso do claro-escuro, acentuando volumes em profundidade. Muitas vezes o método de representação do espaço cúbico, elaborado por Alberti, entrou em conflito com a profundidade construída. A solução é oferecida graças à presença de uma janela no interior do quadro, recurso conhecido como veduta, atuando como uma vista aberta para a natureza. Essa maneira de representar, dos artistas do Renascimento, foi alvo de negação dos artistas modernos. No período das Vanguardas Artísticas do início do século XX, o clima estava propício para o surgimento das novas concepções artísticas sobre a realidade. Surgiram inúmeras tendências na Arte, principalmente manifestos advindos do contraste social: de um lado a burguesia eufórica pela emergente economia industrial e, de outro lado, a marginalização e descontentamento da classe proletária e a intensificação do desemprego. A Arte Cubista, foi, especialmente, revolucionária. Ela tinha o propósito de promover a decomposição, a fragmentação e a geometrização das formas. Os artistas apostaram na simultaneidade de visualizações permitidas a partir da análise de um objeto, isto é, o mesmo poderia ser visto sob vários ângulos, embora sua totalidade pudesse ser inteiramente preservada. Foi o inícIo da destruição do espaço na pintura (1). Isso provocou uma desacomodação na forma de olhar a Arte e abriu muitas portas para que outros movimentos artísticos, incluindo o Abstracionismo, surgissem. Nessa evolução, a Arte Conceitual, que teve origem nos ready-made, de Marcel Duchamp, irá desconstituir o objeto de arte dos seus parâmetros estéticos definidores. Desloca-se o objeto/obra do seu significado referente, que passa a ser atribuído pelo autor do conceito e, então, o mesmo, é ressignificado na fruição do espectador ou no entendimento do sistema das artes, na mesma medida em que o artista irá se utilizar de produtos já prontos ou ideias inconclusas. A meu ver, após o advento da fotografia e do cinema, muito foi especulado sobre que papel a Arte teria na sociedade. Esses novos mecanismos mostraram-se muito eficazes como forma de recorte da realidade, o que estimulou os artistas, principalmente pintores, a buscarem outras maneiras de expressão. Ao mesmo tempo, a fotografia adquiriu importância como forma de linguagem e comunicação dos novos tempos. Fotografias passaram a ser mais do que a representação de um instante, tornaram-se a expressão da sensibilidade do fotógrafo. Desse modo, o diálogo constante entre a pintura e a fotografia resultou em grandes mudanças no cenário das artes visuais e ampliou as possibilidades de comunicação e expressão do homem na sociedade. No vídeo a imagem é fluída, ruidosa, escorregadia e infinitamente manipulável. Seria essa a representação da sociedade contemporânea? O efeito de realidade no vídeo não se dá com a mesma transparência da fotografia ou do cinema. As possibilidades do aparato técnico que permite transcender ao caráter documental e realismo fotográfico, inovam conceitualmente e sugerem a subversão do próprio aparato para ampliar-se enquanto linguagem. “A Vídeo-arte é o projeto artístico do terceiro milênio, e suas tintas são o som, a luz e a imaginação” (Almeida, 1985). A citação de que “a televisão tem nos atacado e às nossas vidas; agora nós podemos atacar de volta.” - de Nam June Paik (Almeida,1985), reforça a dimensão social da proposta manifestada pelo videoartista enquanto crítica à comunicação de massas. Das primeiras manifestações de uso do vídeo como expressão artística, a Vídeo-arte, com a Performance associava figura humana ao televisor como suporte para a criação. Almeida, no título do texto que escreveu, faz alusão ao artista Diego Rodrigues da Silva y Velázquez que foi um pintor espanhol e principal artista da corte do Rei Filipe IV de Espanha. Era um artista individualista do período Barroco, importante como um retratista. Além de inúmeras interpretações de cenas de significado histórico e cultural, pintou inúmeros retratos da família real espanhola, outras notáveis figuras europeias e plebeus, culminando na produção de sua obra-prima, Las Meninas, de 1656 (2), onde o pintor retratou a si mesmo na intimidade da corte do rei da Espanha. O quadro estabelece um jogo imagético-perceptivo com o espectador fazendo com que o mesmo sinta-se parte integrante da cena retratada. Intui-se, pela referência feita no texto de Almeida, uma conexão que aproxima ambos movimentos, provavelmente pelo fato de que tanto na Arte Barroca quanto na Video-arte se provocará essa relação diferenciada, no fenômeno de apreensão do objeto artístico. Enquanto fenômeno sócio-cultural, para Arlindo Machado, o universo das formas audiovisuais pode ser descrito como decorrência de um certo estágio de desenvolvimento das técnicas e dos meios de expressão, das pressões de natureza socioeconômica e também das demandas imaginárias, subjetivas, estéticas de uma época ou lugar. Sob essa ótica social do fenônomeno artístico, ao analisar a crise do Design na sociedade contemporânea, Giulio Carlo Argan (1998), vincula a hierarquia de classes e sua manutenção, através da produção de modelos estéticos, que as classes dirigentes comunicam às classes trabalhadores. Para Argan o que se chama de o fim ou morte da Arte nada mais é do que a crise do objeto como valor. Desde sua origem a Arte é modelo de produção, pois uma atividade que produz objetos de máximo valor. A obra de arte é única, tem o máximo de qualidade, é cara. Está, portanto situada em um vértice de um pirâmide em cuja base encontram-se objetos repetidos e de escasso valor. Ainda assim, existe a relação entre a quantidade e a qualidade, o único e o múltiplo, que constituiu igualmente a relação básica da agregação social. Em uma sociedade hierárquica a obra de arte é adquirida e possuída pelas pessoas mais próximas do vértice e que exercem funções de comando e direção. Se as obras de arte são modelos e a sociedade é composta por classes dirigentes e classes dirigidas, a lógica do sistema é a de que os modelos sejam adotados pelas classes dirigentes que os comunicam às classes dependentes e trabalhadoras, na medida em que podem imprimir um caráter de qualidade à produção repetitiva e qualitativa. Também à obra de arte é atribuído um valor espiritual porque as próprias classes dirigentes afirmam que o seu poder tem uma origem espiritual e até mesmo divina. A crise do objeto, segundo Argan, está associada a crise das sociedades hierárquicas e classistas. Argan conclui seu texto, onde amplia suas constatações para a educação, afirmando ser incrível que a perspectiva de uma cultura de massa não tenha ainda influido sobre o sistema escolar, em nenhum país do mundo. A escola continua sendo um aparelho de classe que tem como objetivo conservar a hierarquia das classes. A Escola é aparelho de difusão da cultura institucionalizada, portanto classista. E, finaliza, apontando para o absurdo grosseiro de se pensar nos sistemas de informação como dilatador quantitativo da cultura de massas sem modificação das estruturas qualitativas da cultura. Argan faz uma crítica contundente à sociedade de consumo que, segundo ele, é irremediavelmente infeliz, pois desequilibra a utilização social da riqueza, da cultura, do ambiente, do espaço e do tempo. O autor aponta para a faculdade humana da imaginação, que possibilita vislumbrar uma possível transformação da sociedade, diferentemente daquela que temos hoje em dia. A imaginação ética e politicamente intecionada ele chama de ideologia, sem a qual não pode haver nenhum projeto. A Arte nada mais é do que a imaginação produtiva. Na crise da Arte e da imaginação se apresenta a possível extinção das agregações sociais baseadas em interesses e orientações ideológicas comuns, afetando diretamente à cidadania enquanto possibilidade democrática do uso apropriado das cidades. As relações culturais, que se travam no processo de apropiação da cidadania, supõem relações de poder e a transmissão da cultura implica poder de dominação. Nesse sentido, a contribuição do pensamento de Pierre Bourdieu é poderosa, enquanto ferramenta para tratar destas questões fundamentais, através de suas reflexões sobre o poder simbólico e violência simbólica e sua consequente implicância nas Artes Visuais e na cultura. No campo da Arte, este conceito funciona perfeitamente, pois o poder está em toda a parte, e não é percebido. Conforme citado em Magalhães (1989), Bourdieu define que o poder simbólico é, com efeito, um poder invisível e, segundo ele, só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. Desvelado o poder simbólico, as formas da arte deixariam de ser vistas como formas universais transcendentais para se tornarem o que de fato são, formas sociais e arbitrárias, socialmente determinadas representando os valores de um grupo particular. O poder simbólico é um poder de construção da realidade, que tende a estabelecer sentido que supõe uma concepção homogênea de mundo. As artes estão dentro de um sistema simbólico, e os símbolos são, enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação, instrumentos de integração social tornando possível um consenso acerca do sentido das coisas, que contribui para a reprodução da ordem social. Poderíamos explicar as produções simbólicas como servindo aos interesses da classe dominante que querem se apresentar como interesses universais: a cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante, assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus membros e distinguindo-os das outras classes; para a integração fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, à desmobilização, das classes dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções hierárquicas e para a legitimação dessas distinções (Bourdieu, 1989, p.10). A cultura dominante consegue isto legitimando as distinções, fazendo com que as outras culturas se definam pela diferença e pela distância em relação a esta cultura dominante. Os sistemas simbólicos seriam instrumentos de imposição e legitimação assegurando a dominação de uma classe pela outra, configurando o que Bourdieu chama de violência simbólica no poder de impor, ou inculcar, uma produção simbólica arbitrária que é ignorada como tal. O campo de produção simbólica, onde está a produção da arte, é um microcosmos da luta simbólica entre as classes. O poder simbólico é uma forma transformada das outras formas de poder, que transforma outras formas de capital – como o econômico, em capital simbólico fazendo ignorar a violência simbólica. Uma maneira de se defender do poder de imposição simbólico, de subverter esta lógica, é a tomada de consciência de que ele é arbitrário, a abolição da crença. Isto pode ser conseguido através da educação, notadamente de uma Educação Intercultural que contemple vozes comumente ausentes do currículo na escola: minorias étnicas, homossexuais, cultura infantil, mulheres, trabalhadores. Historicamente falando, a Arte representou diferentes papéis na educação. Desde a Idade Média, ela foi a ferramenta pedagógica mais eficiente que a Igreja utilizou na conversão de fiéis analfabetos. Esses se valiam das imagens associadas ao relatos bíblicos feitos pelos padres, para realizarem sua educação religiosa. Ferraz e Fusari, em um capítulo que aborda a história da educação em Arte no Brasil, apontam para quatro tendências pedagógicas: Tradicional, Nova, Tecnicista e Libertadora. Sobre a última afirmam que, retomada a partir de 1971, a Pedagogia Dialógica de Paulo Freire é considerada nos dias de hoje como uma Pedagogia Libertadora, em uma perspectiva de consciência crítica da sociedade. (...) agir no interior da escola é contribuir para transformar a própria sociedade. Cabe à escola difundir os conteúdos vivos, concretos, indissoluvelmente ligados às realidades sociais. Os métodos de ensino não partem de um saber espontâneo, mas de urna relação direta com a experiência do aluno confrontada com o saber trazido de fora. O professor é mediador da relação pedagógica - um elemento insubstituível. É pela presença do professor que se torna possível urna "ruptura" entre a experiência pouco elaborada e dispersa dos alunos, rumo aos conteúdos culturais universais, permanentemente reavaliados face as realidades sociais (Cenafor, 1983, p. 30) As autoras acreditam que a consciência e a interferência sobre o processo educativo em Arte é fundamental para o professor e para todos que estão envolvidos com uma educação que se pretende transformadora. A consciência histórica e a reflexão crítica sobre os conceitos, as idéias e as ações educativas de nossa época possibilitam nossa contribuição efetiva na construção de práticas e teorias de educação escolar em Arte que atendam às implicações individuais e sociais dos alunos, às suas necessidades e interesses, e, ao mesmo tempo, proporcionem o domínio de conhecimentos básicos da Arte. O compromisso com tal projeto educativo exige um competente trabalho docente. No caso da ação educativa em Arte com crianças, o professor terá de entrelaçar a sua prática-teoria artística e estética a consistentes propostas pedagógicas (Ferraz e Fusari,1993). No contexto atual, os profissionais da educação defrontam-se com uma política de incorporação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) à prática docente. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1988): As novas tecnologias da informação e comunicação dizem respeito aos recursos tecnológicos que permitem o trânsito de informações, que podem ser os diferentes meios de comunicação (jornalismo impresso, rádio e televisão), os livros, os computadores, etc. […] Os meios eletrônicos incluem as tecnologias mais tradicionais como rádio, televisão, gravação de áudio e video, além de sistemas multimídias, redes telemáticas, robótica e outros (BRASIL, 1998, p. 135). Ainda de acordo com o documento: É indiscutível a necessidade crescente do uso de computadores pelos alunos como instrumento de aprendizagem escolar, para que possam estar atualizados em relação às novas tecnologias da informação e se instrumentalizarem para as demandas sociais presentes e futuras (BRASIL, 1998, p. 96). No que tange a utilização do uso de Video-arte, atualmente, em contextos educativos, nas notas introdutórias do seu trabalho, Ángel Roldán (2012) explicita que, existe uma questão de fundo: fazer possível uma educação audiovisual que gere uma cidadania crítica. Quem sabe, afirma o autor, o primeiro passo deva ser averiguar quais modelos e quais metodologias colocamos à disposição dos estudantes para tornar possível essa realidade. Para Roldán, os processos midiáticos são um filtro e uma referência cultural que forma parte de uma estrutura socializadora de primeira grandeza. À força da repetição das mensagens o público é obrigado a imitar o que veem nas telas. A televisão, enquanto instrumento representativo da indústria das consciências, cumpre uma função essencial na modelação do caráter, na interiorização de pautas de comportamento, filtrando princípios e valores. É como uma aula sem paredes e, moderna igreja, onde de modo inconsciente o sujeito vai interiorizando princípios e valores que darão sentido a sua existência. Mesmo que pensemos na linguagem audiovisual, composta meramente pelos elementos do áudio e do visual enquanto formas articuladas de uma mesma mensagem, esses ultrapassam o âmbito profissional da comunicação, e, nessa linguagem se podem encontrar vestígios característicos do verbal, proxêmico, metalinguístico. No estudo do caráter narrativo do audiovisual fundamenta-se a ideia de que a comunicação está para além da mídia e da mesma maneira que a educação está para além das aulas. Roldán airma que, tanto a ética quanto a estética do audiovisual contemporâneo serão mediadas pela cibercultura, e que essa, de fato, reestrutura todos os modos de conceber, produzir e interpretar imagens e notícias, constatados na mídia televisiva, no video, no cinema, na indústria gráfica, na telefonia móvel, e em formatos multimídias interativos da internet. Em todos eles, a relação entre a imagem representada e o apresentado, tende a aproximar cada uma das partes – circunstância um tanto contraditória e paradoxal, que nos seduz a considerar a apresentação como representação da realidade (3). As consequências destas alterações – na cultura vigente, transcendem o interesse puramente estético e desencadeam transformações diretas no pensamento humano, no desenvolvimento do conhecimento e na dimensão sócio-política da informação. Roldán não tem dúvidas de que a escola e a educação em geral, continuam praticando uma educação compartimentada, estanque, hermética (4). Atualmente, segundo ele, são numerosas vozes que falam do audiovisual como um elemento da realidade cotidiana que vai ocupar um espaço na educação em todas as áreas do currículo escolar de todos os níveis. A inovação disruptiva, a substituir com radicalidade as tecnologias no âmbito da educação favorece a aparição de novas alternativas que consideram o audiovisual e seus suportes como eixos interdisciplinares para a aprendizagem na nova escola que está por vir (5).

Considerações Finais

De anônimas gentes, sofridas gentes, exploradas gentes aprendi sobretudo que a Paz é fundamental, indispensável, mas que a Paz implica lutar por ela. A Paz se cria, se constrói na e pela superação de realidades sociais perversas. A Paz se cria, se constrói na construção incessante da justiça social. Por isso, não creio em nenhum esforço chamado de educação para a Paz que, em lugar de desvelar o mundo das injustiças o torna opaco e tenta miopizar as suas vítimas. Paulo Freire (6) Crise na representação, rupturas, disrupturas, atualização; crise na Arte, simultaneidade, fragmentação, hibridismo; crise na educação e na sociedade, interdisciplinaridade, educação audiovisual e cidadania crítica, interação, imersão: são palavras recorrentes no presente artigo. Na constatação de Paulo Freire a educação tem o duplo papel: de tornar visível e de miopizar realidades. É miope a educação quando ela impõe uma realidade deconectada das pessoas participantes do processo. Ele avança, e responsabiliza a educação pela violência produzida nessa imposição. No fim das contas, tudo parece ser uma questão de justiça e luta contra as desigualdes. Ver ou não ver, olhar ou não olhar, estão indissociavelmente vinculados à Imagem, à Cultura Visual, à Representação, à Arte Visual. A Arte Abstrata, por exemplo, libera a nossa imaginação, quando nos possibilita o exercício de compreensão com autonomia, já que sua representação não nos prende à figuração. O que nos escapa ao imediatismo, pode nos levar a um salto imaginativo ainda mais elevado. E, essa constatação, pode nos levar ao entendimento de que mesmo figurativa, a Arte Visual não é uma representação da realidade. Basta, para isso, que se isole algum elemento gráfico/pictórico/escultórico de uma obra, para associá-lo à outro signo imagético, e, portanto, produzir um outro sentido – do olhar criativo. A Video-arte, é o apogeu de um processo, que poderá culminar na realização total entre Arte e Vida. As transformações ocorridas nesse tempo todo, afetaram também a relação do público com as Artes Visuais, que no Renascimento era espectador e hoje é partícipe do fenômeno artístico. Na escola, ao integrar o currículo, a Arte é uma possibilidade para que os alunos acompanhem e entendam essas transformações ocorridas, percebendo as mudanças, sejam elas artísticas, sociais, ou pedagógicas. O ensino da Arte tem o compromisso de, como preconiza o pensamento freiriano, colaborar em “desvelar o mundo das injustiças e superar realidades sociais perversas na construção incessante da justiça social”. A reprodução, na escola, dos valores hierárquicos e classistas, os espaços simbólicos de poder oprimindo as relações, os esteriótipos acerca do valor da educação, os preconceitos velados, as violências, os descasos ocultos no discurso de quem não pensa e não protagoniza sua prática mantendo-se tutelado por normas que no final nem são tão fiscalizadas. A evasão e abandono da escola contribui para o desperdício das verbas públicas da educação, e as Direções usam como desculpa a falta de dinheiro para não qualificarem sua gestão. Mas, também, há saltos de mudanças. Com inclusão, pensamento crítico, mais liberdade, diálogo e participação ativa dos alunos na sua aprendizagem: percebe-se a motivação dos que acreditam no papel emancipador da educação e no valor do conhecimento. No Brasil a Constituição de 1988 estabelece o Direito à Educação, e este direito será garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Ainda é muito cedo para assegurar que a educação é um projeto vitorioso no país, mesmo que com as tecnologias educacionais recentes seja possível avistar um horizonte de maior democratização do ensino, de mais acesso ao conhecimento. A Arte, em crise, tem mecanismos para se reinventar com mais facilidade, comparando com os desafios peculiares da educação e do trabalho no mundo contemporâneo. A Arte é o exercício da liberdade, em um mundo possível. Quem sabe, numa escola mais próxima da vida, a Arte possa estar ainda mais inserida na educação. Estudar mais, escrever mais sobre a própria prática, atuar nos espaços destinados a refletir sobre tudo isso, e contaminar o coletivo escolar para olhar mais agudamente a escola e as relações compartilhadas nela, será fundamental ao professor de Arte, no sentido de colaborar para que as mudanças inovadoras necessárias, em face das escolas que temos hoje, sejam implementadas, nos projetos político-pedagógicos das mesmas.
Notas
(1) Sobre a Arte do Renascimento e do Cubismo: FRANCASTEL, Pierre. Pintura e Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
(2) Sobre o quadro Las Meninas: FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas / Michel Foucault: tradução Salma Tannus Muchail. - 8ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, 1999. - (Coleção Tópicos)
(3) Na tentativa de aprofundar um pouco mais o tema da representação, tornou-se recomendável a leitura do artigo de Lourival Pereira Pinto, onde ele busca nos pensamentos de Kant, Heidegger e Foucault, possíveis compreensões para o fenômeno da representação. Em Kant, para Pinto, traça-se uma equivalência entre a intuição pura de tempo e espaço e as flutuações conceituais e cognitivas na recepção e representação da informação. Em Heidegger, a questão se volta para uma possível interpretação da hermenêutica, dado que para este autor, a recepção de uma mensagem é uma possível apresentação para o sujeito que vige no tempo e espaço. Assim, as intuições puras do sujeito estão presentes na sua vigência, quando a mensagem se apresenta a ele. Finalmente ele afirma que, para Foucault, não existe a pura apresentação, mas tão somente a representação , uma vez que sempre se recorre a um signo para representar um objeto. A confluência desses pensamentos ocorre exatamente na vigência, porque o homem quando representa vige em um tempo e espaço. Ele é (o ser do ente) num dado momento de recepção da mensagem. Então, a mensagem se apresenta ao homem, que representa o conteúdo dessa mensagem por meio de signos. Ampliando o entendimento para a representação da informação e do conhecimento, e analisando esses fenômenos últimos, se entende que a mensagem, por enquanto, não pode ser conhecida na sua essência, porque a essência de um pensamento que emite a mensagem não se representa na sua totalidade, mas apenas se deixa mostrar com possíveis e limitados acenos. http://www.dgz.org.br/out10/Art_02.htm
(4) A escola fragmentada, dividida em disciplinas e grades curriculares, e distante da vida dos professores e alunos, se deparar, a cada dia, com um mundo que faz perguntas cada vez mais globais e urgentes, como a necessidade de considerar o todo, o planeta, a cidade. Quais os desafios da educação no mundo contemporâneo? Na palestra realizada pela educadora e filósofa, Dra. Viviane Mosé, é possível situar didaticamente o panorama da atual educação brasileira dentro do contexto de crise dos modelos que atravessamos, crise essa traduzida pelos novos meios de comunicação. Abordando a educação no Brasil, ela aponta para questões como o elitismo e exclusão, a industrialização tardia, a formação de mão-de-obra operária, o regime militar e e seus reflexos na estrutura curricular e nos projetos político-pedagógicos das escolas, entre outos temas. https://www.youtube.com/watch?v=EigUj_d5n80&feature=youtu.be
(5) Algumas alternativas radicais transformam o horizonte da educação no mundo. Palestrando sobre a viabilidade dessas mudanças, e sobre o futuro, o professor de Tecnologia Educacional, Sugata Mitra faz um desejo ousado de projetar a Escola na Nuvem, um laboratório de ensino na Índia, onde crianças podem explorar e aprender umas com as outras - usando recursos e monitoria da nuvem. É uma inspiradora visão dos Ambientes de Aprendizado Auto-Organizáveis, que contribui para se pensar possibilidades mais interessantes, e muito mais ricas do que as aprendizagens fundamentadas na mera transmissão de conteúdos. http://www.youtube.com/watch?v=Sw71Zrw0i3I
(6) www.pitangui.uepg.br/nep/biblioteca/ep.ana.FREIRE.pdf - acesso em 04.08.2013
Referências
ALMEIDA, Cândido José Mendes de. De Velasquez a Nam June Paik: a vídeo-arte. In: O que é vídeo. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 45-57. ARGAN, Giulio C. História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1998. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. MICELI, Sérgio (org.). São Paulo: Perspectiva, 1974. - O poder simbólico. Rio de Janeiro / Lisboa: Bertrand Brasil / Difel, 1989. - IN: O Ensino da Arte e a Pluralidade Cultural: Trabalhando com a Interculturalidade, Clarice Rego Magalhães. FUSARI, Maria Heloísa Ferraz e Maria F. de Resendi e. Metodologia do Ensino de Arte. Cortez, 1993. MACHADO, Arlindo. O vídeo e sua linguagem. Revista USP, n.16, 1993, p.1-12. Disponível em: http://www.usp.br/revistausp/16/01-arlindo.pdf. Acesso em: mar./2014. ROLDÁN, Ángel García. Videoarte en contextos educativos. Granada: Universidad de Granada, 2012. (tesis doctoral)