domingo, 22 de fevereiro de 2009

22 de fevereiro de 2009
Bergamo, Itália
O frio persiste, mas com 8 graus de calor. O sol também ajuda a aquecer através da fina névoa úmida que ambienta esse cenário cheio de história.
Ontem ao me encaminhar para a estação de trem rumo a Milão, vi um prédio envidraçado anunciando uma exposição de arquitetura e urbanismo para a cidade de Bergamo do futuro.
Entrei no lugar e me deparei com vários mapas da cidade expostos com desenhos propondo intervenções. Havia também um vídeo onde o narrador explicava as propostas e razões. Identidade, competitiva... Esses dois conceitos entre alguns outros justificavam as propostas que revitalizavam os espaços ociosos da cidade, ampliavam as ciclovias, construía novos prédios. Maquetes e grandes fotos do sítio urbano com a colagem sobreposta das propostas permitiam a visualização do que está por ocorrer em Bergamo. Uma das que mais chamou a atenção foi de ampliação das áreas verdes e a criação de um cinturão verde, ou seja, a plantação de árvore ao redor do limite da cidade a fim de garantir uma melhor qualidade ambiental. Os belos projetos e maquetes estavam identificados no caso da realização estar em andamento. O que garantia a veracidade da execução.
Hoje eu fui até a Citá Alta conhecer a ruína de um castelo medieval. Fica na montanha oposta a do albergue onde me hospedo. Lá pude apreciar a bela paisagem de Bergamo e passear por estreitas ruas cheias de beleza e história. Comi um doce delicioso chamado polenta e pizza cortada a tesoura. Pomodoro sechi e caprese. Na volta perto da Avenida Giovanni XXII tomei sorvete: morango e chocolate.
O silêncio na manhã em Bergamo mereceria um texto. Ou um poema. Lembrei da cena, em que o carteiro, do Carteiro e o Poeta, enviando uma carta para Pablo Neruda conta do som das estrelas.
A voz da Lua.
O silêncio em Bergamo é cheio de poesia.
E, quando os pássaros cantam é um canto silencioso.
17 de fevereiro de 2009
Pesadelo em Amsterdam
Alguém tinha emprestado a casa para eu ficar por um tempo, talvez um fim de semana.
Lembro de ali ter muita madeira especialmente no chão. Por entre as frestas da madeira era possível ver a grama do chão irregular onde a casa foi construída. Essas frestas chamavam atenção por sua irregularidade, ou seja, alguns vãos eram maiores que os outros, outros eram recortados. Prestei muita atenção nos veios da madeira. As bordas das tábuas tinham o desenho de contorno de litoral de mapa, desses que vemos em fotos tiradas de satélite. A grama era de primavera. Pequenos frutos silvestres marrons salpicavam o chão realçando a fosforescência do tapete de grama verde. Continuei andando pelo lugar, lembrando das palavras de oferecimento do amigo dono da casa. Quando eu abri a porta que dava para o espaço exterior da casa tomei um susto: dois porcos imensos maiores que a largura da porta. Eles invadiram o recinto. Eu me afastei rapidamente para dar passagem e percebi que um deles se erguia sobre duas patas e deixava sacudir o membro como que oferecendo ao outro porco. Sai dali e tentei pegar minhas coisas, que deixei num espaço no canto de uma cozinha com muitos objetos. Mas nenhum com a forma definida. A impressão era de que eram apenas volumes imprecisos estofados espalhados no ambiente que lembrava uma cozinha. Não consegui pegar coisa alguma, pois ao olhar para uma dessas formas indefinidas de cor esverdeada percebo um movimento nela. E vejo o olho de alguém, ou de alguma coisa, rapidamente se abrindo, e logo em seguida desaparecendo na camuflagem. Sinto pânico e resolvo sair dali imediatamente Porém começam a brotar do chão, milhares de formigas. São de dois tipos. Uma é do tipo miúdo, quase um ponto a se deslocar em correria. A outro é do tipo Salvador Dali, graúda, e veloz como a outra. Penso em por fogo naquilo tudo, mas lembro que a casa é de outro. Enquanto tudo acontecia, eu ouvia vozes de fora da casa e todo o tempo eu pensava que devia me comunicar, e pedir ajuda. Lembro, depois de ter narrado ao dono da casa como foi difícil para mim, ter enfrentado aquilo. Ele concordou e eu acordei.
16 de fevereiro de 2009
A caminho de Amsterdam
Em Paris, na sala de cinema entrei com o bilhete para uma sessão, mas era outro filme. Quer dizer que a princípio eu pensei se tratar de outro filme, mas na verdade eu comprei o tíquete para assistir uma comédia de François Ozon, chamada “Ricky”, que vi o cartaz na Berlinale e, quando entrei vi, desconfiei do outro, filme.
Quero dizer, eu estava no horário, mas o filme já havia começado. Tinha uma cena engraçada acontecendo e eu estava vindo de Londres, que tem outro horário. Eu pensei que podia ser o filme enfim a cena era interessante e eu fiquei. Depois eu fiquei sabendo que eu tinha olhado para o valor do ingresso de seis euros e alguma coisa e confundi com o número da sala. Era grande o desenho do número. Pequeninho ao lado estava o número da sala correta que eu não entrei: sala 07. Bom: o filme mostrava a trajetória de um leste europeu a caminho de Paris e por coincidência ele se passou em parte na rua do cinema onde eu estava assistindo o filme (“á la” metalinguagem): a bela “Champs Elyseés”. E tratava-se de uma fantasia sobre a magia de querer estar num outro lugar, acreditar nessa magia, viajar e ir buscar a fantasia que essa magia pode concretizar. Não tem como ser mais parecido com aquilo que eu estava vivendo naquele instante. Sofrer por Paris, por viver a magia da luz de sua torre cheia de brilho. O filme de Costa-Gravas mostra a Paris da desilusão, da riqueza contrastando com as necessidades humanas mais básicas. Ele é muito real e as cenas que ocorrem no filme são realmente muito parecidas com aquilo que se vê nas estações de metro, com a polícia, com o mundo dos mendigos e sem teto, nos olhares que podem nos ser generosos, mas também frios e de indiferença. A cena do garçom orgulhoso por ajudar a matar a fome da personagem é constrangedoramente piegas, mas profundamente verdadeira. Há a Paris de pessoas. Que quer acordar. Que quer ser do mundo todo. Mas não pode.
Outra cena, a do gari ignorante do mundo das letras e que sobrevive pelos desvios da solidariedade.
Essa odisséia do estrangeiro que confunde o próprio desejo, transitando pela crueza do mundo a alimentar a esperança de felicidade me achou ali na escuridão da sala de cinema. Triste e satisfeito como o herói incógnito Elias. Eu e Elias acreditamos numa possibilidade de generosidade por magia. Às vezes achamos que a beleza do por do sol existe porque nós anunciamos o fim do dia. Não é verdade, pois o sol vai brilhar e se por e voltar a ser mágico sem mim ou Elias para olhar. Mas não custa nada imaginar que também merecemos, eu e ele um lugar no mundo, um lugar para estar.
Saí do Cinema Gaumont Champs Elyseés e vi o que Elias via. A praça, o monumento do Arco do Triunfo, a avenida com os pedestres e carros a transitar como no filme. A torre Eiffel, pela última vez. Dessa vez eu não a iluminei.
Vivi numa canção. De Costa-Gravas.
Encaminhei-me para a Gare Nord, saí de Paris, saí da França. Voltei para a Alemanha.
O Elias, com seu poder de iluminar o mundo agora, é letra, é grão.