quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Das reverberações

20 de janeiro de 2009
Para Elida Tessler
Düsseldorf acordou escura. A lua minguante insiste em passear por sobre a linha do horizonte sem se arriscar a subir ao meio do céu. Pelo breu do chão caminho através do breu da manhã. Sei que ainda cedo a cidade já se mostra efervescente, com movimento de pessoas, carros e caminhões a cruzar suas vias, suas calçadas. Mas não aqui. A rotina de caminhar de casa até o ponto do ônibus em 400 metros de distância é pontuada por transeuntes raros e outros em carros a sair de suas casas para viver o dia. Avisto alguém com alguma dificuldade em uma bicicleta conversando com outro alguém. Sem entender o porquê, presto atenção no jeito nervoso dela falar. Tem algo no chão que por um momento eu penso que pertence a moça da bicicleta. Depois vejo que aquilo, parecia uma pasta, não lhe pertencia. Continuei caminhando em direção ao ponto de ônibus, imaginando perguntas a um interlocutor improvável, nem por isso menos real. Seria a solidariedade uma qualidade humana despregada do oportunismo? Para causar dano ao outro se exige agir com destreza tal quanto para o bem do outro. Por instantes a resposta surgiu na imagem do “Ensaio Sobre a Cegueira”, que reverberou naquele instante. Um que ajuda o cego para possuir o que aquele que cegou tornou com sua cegueira objeto do desejo para quem ajuda. Ajudar para se apropriar daquilo que quem necessita não viu: e que a ele pertence. Logo na esquina da Bunzlauer Weg vi o ônibus passar em minha frente para estacionar no ponto. Com um movimento brusco ameaço atravessar a rua em direção a ele e um carro muito silencioso e devagar quase para sem na verdade diminuir a velocidade. Hesito e decido seguir, mesmo sem necessidade por tempo. Estava adiantado no horário. Era só para não ter de ficar esperando mais tempo na parada. Já dentro, sento e observo pela janela as cores das luzes. O ônibus para. As luzes são amarelas dos postes e as brancas dos faróis dos carros chamam minha atenção como pontos flutuantes no espaço negro. O sinal verde surge sem que eu tivesse antes visto um vermelho. Uma e outra cegueira. Penso-digo: Em que outra previsão para o futuro eu aposto?