domingo, 9 de agosto de 2009

Lars Thorwald

Lars Thorwald
Estava saindo às pressas do elevador em direção da porta do edifício quando senti a necessidade de bisbilhotar na caixa de correspondência. Costumo sabotar minhas saídas, atrasando, ao voltar até em casa para conferir se esqueci alguma coisa que não faria nenhuma diferença se deixada para depois. Depois da janelinha de madeira do painel de números que correspondem aos apartamentos encontrei um bilhete com um nome escrito. Não pude ir adiante. O trabalho que aguarde. Acordei. Os lençóis pouco revirados, o que indica a tranqüilidade do meu sono. Não tinha nenhuma pista de estar sonhando. O sonho era daqueles que surpreendem pela lógica a ponto de fazer suspeitar, que não se trata de um sonho, mas da realidade concreta, até que acordamos e descobrimos que nem a vida real é tão inquestionável. Preso em casa e preso dentro de mim mesmo. Sentia a necessidade, absurda, novamente, de me lembrar de tudo, toda a minha vida de novo. Dessa vez sem interpretações errôneas. A memória é o fantasma que nos fala. Começou a chover e eu sentei na poltrona em frente da televisão e ali fiquei por três meses. Meu interesse centrado na tela plana do aparelho e no mundo de duas dimensões que transcorre por detrás do vidro. Trabalho, contas para pagar, o que de comer, higiene, conversas com as pessoas foram ficando em segundo plano. Estava dominado pela existência de um universo paralelo que significava mais do que a própria realidade. Olho para as letras do bilhete sobre a mesa.
Lembro da confusão das minhas idéias. Se idéias fossem seriam confusas? Precisava. Necessitava. Aumentava. Ampliava o som que na madrugada escutei. Nada não tem nexo. Eu sei, é tão difícil dar sentido a existência, mas não é possível não existir. Quero chegar ao limite do inaceitável quando não poderei mais continuar do mesmo jeito que estou. Quero ter a sensação de que não fiz força para viver, que me deixei levar pelo tempo que escorre como pingos de chuva que vão criando valos sulcando a terra e se aglutinando com a água e escorrendo e seguindo um curso que não é curso nenhum pois simplesmente é a mistura das matérias da água com a terra não aderente que faz escorrer.